Incêndios já superam poder de combate dos bombeiros
Na época mais crítica do ano, com quase 25% mais focos em áreas verdes, corporação é obrigada a criar escala de prioridades e comunidades sofrem com demora
O fogo que consome as matas de Minas e a fumaça que transforma em cinza o azul do céu, a cada dia mais recorrentes e graves, já superam a capacidade de combate do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. O alto número de ocorrências, somado ao déficit de pessoal, sobrecarrega a tropa, torna indispensável a presença de brigadistas e voluntários e acaba causando lentidão no atendimento de demandas.
Para que se tenha ideia do tamanho do desafio, hoje, a corporação tem cerca de 5.500 militares em todo o estado. E, apenas no mês de setembro, esses homens e mulheres tiveram de se desdobrar para atender a nada menos que 4.817 ocorrências, considerados somente os incêndios florestais.
Em um período extremamente crítico para o avanço das chamas, com aumento de quase um quarto nos incêndios florestais em território mineiro entre agosto e setembro, o Estado de Minas destaca, em série de reportagens iniciada hoje, as dificuldades que esses guerreiros, profissionais, mas também voluntários, enfrentam na linha de fogo. Desafio que não seria tão grande não fosse a mão do próprio ser humano que, se estima, está por trás de 90% das queimadas.
Enquanto são demandados para debelar as chamas em áreas verdes, as ocorrências de rotina que exigem a ação dos bombeiros não param. Prevenção, atendimento pré-hospitalar, busca e salvamento, acidentes de trânsito, defesa social, combate a incêndios em imóveis… São cerca de 30 mil ocorrências atendidas por mês pela corporação. Os incêndios florestais representam 12% desse total.
Com a alta demanda, quem sofre é a própria população, que sucessivamente reclama da demora no atendimento. Nas últimas semanas, o Estado de Minas registrou a insatisfação de denúncias de voluntários e moradores vizinhos aos locais atingidos pelo fogo.
Na Lapinha da Serra, na Serra da Moeda, na Serra do Cipó, em Nova União e até no bairro Santa Cruz, em Belo Horizonte, houve queixas da longa espera até a chegada dos militares. Diante da situação, vizinhos se unem com mangueiras de jardim e até baldes de água para tentar diminuir as chamas.
Focos simultâneos
Mas essa lentidão na resposta não ocorre por falta de vontade ou desleixo da corporação. Muitos fatores estão envolvidos, entre eles a disparada de ocorrências, que deixa todas as viaturas empenhadas, como descreve o tenente Leonan Soares Pereira, do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad), que chefia o combate a vários focos no estado.
“Está havendo muito mais incêndio este ano”, diz o bombeiro militar, comparando a situação com a pandemia do novo coronavírus. “Todo mundo começou a entender como ‘achatar’ a curva. Se todos os incêndios acontecem ao mesmo tempo, é impossível colocar bombeiro para apagar tudo.”
“É muito covarde um palito de fósforo causar estrago tão grande”, diz bombeiro militar de Minas
Apesar de empenhar a maior parte dos militares nas ruas e liberar férias de apenas 5% do efetivo nesta época do ano, grande parte do controle está na mão da população. Segundo o militar, a baixa umidade do ar e as maiores temperaturas da história, aliadas à falta de bom senso, fornecem o combustível que alimenta as queimadas.
“A condição climática piorou juntamente aos maus hábitos do ser humano. Isso faz com que um incêndio que a gente apagaria em dias se estenda por semanas”, afirma.
Enquanto isso, os bombeiros são obrigados a estabelecer uma escala de prioridades nos atendimentos. Pela ordem, ela contempla enfrentamento a incêndios que ameaçam residências, indústrias, empresas, parques e reservas ambientais. A ideia por trás dessa ordem é que, entre a vida e a mata, a vida prevalece.
Devastação abala também militares
A gigantesca quantidade de queimadas e o sentimento de impotência diante da voracidade do fogo entristece até os mais treinados militares da linha de frente. É o que admite o tenente Lucas Silva Costa, comandante do canil dos bombeiros, que também atua há quatro anos no Bemad. “Como tenho contato com animal o tempo todo, quando vejo animais feridos nesses incêndios fico mais sentido”, conta.
Ele cita como exemplo o resgate de um coelho-do-mato no Parque do Itacolomi, em Ouro Preto, que teve 7% de sua área consumido pelo fogo no último fim de semana.
“É triste vivenciar incêndios florestais, porque em vários momentos nos deparamos com animais mortos, já carbonizados. Toda vez que fazemos um sobrevoo, é triste ver aquela devastação grande. É pesado pra quem gosta e tem consciência de preservação do meio ambiente.”
Há oito anos na corporação vivenciando diversas ocorrências, ele não se acostuma com a devastação da natureza e se incomoda com o fato de ter que priorizar o atendimento.
“Por mais que a gente trabalhe exaustivamente antes desta época do ano com prevenção, ficamos angustiados de não poder, às vezes, combater todos os focos na temporada mais crítica. Mas, dentro dos recursos que temos, nos empenhamos ao máximo. Damos a vida nesses incêndios”, afirma o tenente Lucas. “O mais triste é saber que acontece pelo fator humano, e que por muitas vezes são atos criminosos. O ser humano tem essa capacidade de colocar fogo só para poder ver a destruição.”
Espera angustiante
Ocorrências recentes têm em comum as queixas de moradores pela demora no atendimento, ligado à não disponibilidade imediata de efetivo dos bombeiros. Confira:
» Na mais recente ocorrência de incêndio em áreas verdes, brigadistas de Lapinha da Serra, em Santana do Riacho, na região da Serra do Cipó, relataram ter combatido as chamas da madrugada até a tarde de quinta-feira por conta própria. Na madrugada seguinte, o enfrentamento em terra também não contou com militares.
» Na semana passada, as chamas originárias do incêndio no Parque Nacional da Serra do Cipó se aproximaram de residências e estabelecimentos comerciais às margens da MG-10. Proprietários reclamaram da demora da chegada dos bombeiros e tiveram de combater as chamas com baldes.
Fonte: EstadodeMinas