Reservatórios das maiores hidrelétricas de Minas operam abaixo de 50%
Volumes estão em níveis inferiores a 20% nas hidrelétricas de Furnas, Emborcação e Nova Ponte, agravando riscos
A seca pela qual o Brasil passa nas últimas semanas vai continuar apertando o bolso do consumidor, além de escancarar os problemas estruturais na gestão ambiental do país. Em novo balanço atualizado no domingo, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apresentou números críticos dos níveis de armazenamento de água dos reservatórios das principais usinas hidrelétricas em Minas Gerais. Entre as oito maiores usinas, todas operando com volume inferior a 50% da capacidade de armazenamento de água que faz girar as turbinas, três trabalham com acumulação em barragens abaixo de 20%: Emborcação e Nova Ponte, no Triângulo Mineiro, com 11,72% e 11,95%, respectivamente; e Furnas, 17,47%. O lago de Três Marias tem a situação menos grave, com 49,51%, de acordo com novo levantamento feito pelo ONS.
Os dados foram atualizados em dia no qual era esperado, mas não foi anunciado, novo aumento do sistema tarifário aplicado às contas de energia pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em agosto vigorou bandeira tarifária vermelha, de patamar 2, ao custo de R$ 9,49 a cada 100 quilowatt/hora (kWh) consumidos. Agora, a expectativa é de que o aumento só deva ser divulgado na semana que vem, após as polêmicas manifestações marcadas para o feriado de 7 de setembro.
Embora em estado menos grave, o armazenanento para abastecimento de água também preocupa, segundo especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou ontem ao EM que acompanham dia após dia a situação dos reservatórios e que não prevê racionamento ou rodízio na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O município de Bugre e a localidade de Bom Jesus dos Cardosos, em Urucânia, ambos no Vale do Rio Doce, já estão sendo abastecidos em sistema de rodízio.
Entre as usinas hidrelétricas, quatro empreendimentos da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) operam com níveis negativos de armazenamento de seus reservatórios. São elas Bom Jesus do Galho (cidade de mesmo nome, no Vale do Rio Doce), Pissarrão (Araguari, Triângulo Mineiro), Martins (Uberlândia, também no Triângulo) e Salto do Paraopeba (Jeceaba, Região Central).
Anivaldo de Miranda Pinto, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), onde estão alguns dos reservatórios responsáveis pela geração de energia, vê o quadro da crise energia com extrema preocupação. “Nosso sistema elétrico é interligado e precisamos ficar muito atentos para determinar qual é o limite da capacidade da calha do São Francisco, onde estão as usinas. Não se pode correr o risco de transportar a crise da Bacia do Paraná para o São Francisco. É um limite muito impreciso”, afirma.
O especialista analisa a administração do governo federal como falha durante a seca. Segundo ele, a Aneel passou de um papel de reguladora para regulada, o que deu poderes de decisão a ministros de Jair Bolsonaro (sem partido), como Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Paulo Guedes (Economia). “Esse comitê extraordinário de crise é de fato quem está tomando as decisões, com a agência reguladora significantemente neutralizada, bem como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, diz o presidente do CBHSF.
“Por falta de planejamento e vontade política, o Brasil não se preparou para este século de agravamento do aquecimento global”
Dever de casa
O quadro crítico apontado por Anivaldo Pinto atinge os principais reservatórios de Minas Gerais. Em Nova Ponte, no Alto Paranaíba, a usina opera com 11,95% de volume útil. O problema também se estende a Emborcação (11,72%), São Simão (20,99%) e Três Marias (49,51%), conforme dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Neste último, a Cemig registra queda considerável desde julho, já que o nível fechou em 54% no mês passado.
Ao todo, Minas tem ao menos 14 usinas abaixo da taxa de 50% de volume útil. Uma alternativa para assegurar o serviço para a população é a ativação e compra de energia das termelétricas. O problema dessa solução gira em torno do custo, que é mais elevado e repassado à conta de energia. Quem paga o preço é o consumidor. Outra limitação está ligada ao meio ambiente, já que a queima de combustíveis fósseis é mais poluente.
“Quando o paciente está na UTI, você não tem muitas alternativas. Infelizmente, por falta de planejamento estratégico e vontade política, o Brasil não fez o dever de casa de se preparar para esse século de agravamento do aquecimento global. Nossa matriz energética continua aumentando a dependência do uso de combustíveis fósseis”, afirma Anivaldo. Ele defende a fonte de energia solar como resposta à destruição ambiental.
Mínimas históricas
no Triângulo Mineiro
A Cemig reconhece a “situação mais preocupante” das usinas de Emborcação e Nova Ponte, “pois devem registrar níveis mínimos históricos neste ano”, com projeções “da ordem de 3%”. “Considerando que a capacidade de geração de uma usina depende também do nível do reservatório, pode-se concluir que os baixos níveis de armazenamento de Nova Ponte e Emborcação influenciam também na perda da capacidade produtiva dessas usinas”, afirma Ivan Sérgio Carneiro, gerente de Planejamento Energético da concessionária.
O executivo ressalta que esse déficit será coberto por outras fontes, hidrelétricas ou não. “As demais usinas operadas pela Cemig encontram-se em situação normal no momento, com armazenamentos próximos aos já verificados em outros anos”, diz o gerente da companhia. Quanto às usinas termelétricas, a Cemig não opera nenhum empreendimento.
A respeito das usinas que operam com níveis negativos, a Cemig informou que elas “apresentam contribuição muito pequena para a geração de energia do Sistema Interligado Nacional (SIN)”, por se tratar de hidrelétricas “com pequena potência instalada”. Portanto, os índices são considerados normais pela companhia.
Vale do Rio Doce tem
casos de rodízio de água
O abastecimento de água também preocupa as autoridades e o secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Polignano. Ontem, números da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) mostravam que o Sistema Paraopeba, que abastece a Grande Belo Horizonte, opera com 76,4% de sua capacidade. Dos três reservatórios, o quadro de maior risco é na Vargem das Flores, entre Contagem e Betim: 65,3%. Em Rio Manso, na cidade de Brumadinho, o nível de armazenamento é de 77%. Já em Serra Azul, em Juatuba, de 80,2%.
No interior, a Copasa informou que a cidade de Bugre e a localidade de Bom Jesus dos Cardosos, em Urucânia, ambos no Vale do Rio Doce, entraram no sistema de rodízio no abastecimento de água. Para Marcus Polignano, o grande problema vai muito além dos números. Ele destaca a questão estrutural no Brasil decorrente da falta de gestão ambiental eficiente capaz de permitir condições naturais para que não falte água ao ser humano. “A gente fica sempre tratando as coisas como se fossem pontuais e fora de contexto. Não estamos num problema momentâneo, mas estrutural. As cidades têm hidrofobia. Elas mandam a água embora durante as enchentes no período chuvoso, pela falta de áreas permeáveis. Depois, querem água no período de seca”, lamenta.
Para Marcus Polignano, as crises hídrica e energética são faces de uma mesma moeda, forjada por meio da destruição dos biomas naturais, como tem se registrado na Amazônia, no Pantanal e na mata atlântica, sobretudo. Tendo como referência este mês, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram crescimento gigantesco no volume de focos ativos de incêndio na floresta amazônica a partir de 2019, primeiro período da gestão Bolsonaro. O número saiu de 10.421 em 2018 para 30.900 em 2019, 29.307 no ano passado e 27.569 em 2021.
“Temos visto, há muito tempo, os reservatórios sendo levados à exaustão, retirando tudo que se tem sem garantia de recomposição (no período chuvoso). O dia em que a matemática não compensar, não vir um dilúvio para recuperar aquele reservatório, você tem um desastre. As crises hídrica e energética são irmãs siamesas da crise ambiental. Também estamos pagando um custo monetário por isso, que vai para todo mundo, desde o consumidor até o distribuidor”, observa o ambientalista.
Do ponto de vista prático, Marcus Polgnano entende que o Sistema Paraopeba ainda está num volume “bom” de água para garantir o abastecimento. Mas, em geral, “estamos tirando muito mais do que o rio poderia dar”. “É uma situação de alerta, que requer todo o cuidado. Porque, se tiver uma baixa maior, esse problema pode se agravar. Temos procurado manter a vazão dentro do limite. Corremos risco”, afirma.
Em nota, a Copasa informou que está monitorando diariamente os reservatórios e as cidades do interior, com ênfase naquelas onde há período de estiagem mais longo. Não há previsão de racionamento ou rodízio na Região Metropolitana de Belo Horizonte: “O volume atual está um pouco abaixo do ano de 2020 devido às precipitações que ocorreram bem acima da média histórica no início daquele ano. Até o momento, não há previsão de racionamento na Grande BH. De acordo com a série histórica (2016/2021), a reserva atual é bastante superior aos períodos de seca dos outros anos anteriores”, diz a nota. (GR)
Fonte: EstadodeMinas