Guerra na Ucrânia: contexto, motivos e, o mais importante, quem vai negociar a paz?
Até o final de 2021 não havia uma ação concreta que exigisse uma contra-ação
Quando teve início a ofensiva militar russa contra a Ucrânia, falou-se muito do contexto histórico: a humilhação imposta à Rússia na década de 1990, a expansão ofensiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para o leste, indo até as fronteiras da Rússia em 1999 e em 2004, os precedentes da invasão militar em Georgia (2008), a anexação da Crimeia (2014), e até o não comprimento dos Acordos de Minsk (2014/2015), que previam autonomia e eleições para as províncias rebeldes de Donetsk e Lugansk. Uma história complexa que pode ser analisada e reanalisada ainda por muito tempo.
Invasão aterroriza a população, provoca sofrimento humano, mortes entre civis e centenas de milhares de refugiados
Mas a invasão é outra coisa. É uma situação que necessariamente aterroriza a população, provoca sofrimento humano, mortes entre civis e centenas de milhares de refugiados. Quem esperava por isso? As inúmeras entrevistas com moradores locais mostram que eles não imaginavam que ia chegar a tanto, as embaixadas não tinham planos de evacuação das suas populações, os mercados financeiros não tinham feito hedge (proteção contra as possíveis turbulências causadas por uma guerra).
É verdade que o presidente dos EUA, Joe Biden, tinha falado que iam haver bombardeios a Kiev, mas isso era tido como parte da propaganda anti-russa. Talvez a inteligência estadunidense tenha estado certa dessa vez, ou talvez tenha havido uma coincidência de fatos… Mas isso é irrelevante a essa altura.
O contexto histórico justifica a invasão?
De nenhuma forma. Como bem disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “é lamentável que, na segunda década do século 21, a gente tenha países tentando resolver suas divergências territoriais, políticas ou comerciais através de bombas, tiros e ataques, quando deveria ter sido resolvido em uma mesa de negociação. Ninguém pode concordar com guerra, ninguém pode concordar com ataques militares de um país sobre outro.”
Também esta não pode ser considerada uma guerra de legítima defesa, porque não havia agressões ou ataques iminentes ao território russo. Muito menos pode ser considerada uma guerra que visa a libertação dos povos. A Ucrânia tem um território duas vezes o da Itália, logo é uma operação militar que exige muito planejamento. A invasão não parece ter sido um plano B, que entrou em operação diante do esgotamento das negociações. Aliás, estas nem estavam esgotadas.
Diante da demonstração de força russa e das exigências, legítimas diga-se de passagem, houve uma abertura por parte da França e Alemanha para renegociar os Acordos de Minsk, e houve até um balão de ensaio do Embaixador da Ucrânia, em Londres, falando da possibilidade se negociar a neutralidade da Ucrânia.
Como explicar o timing? O mundo começou a perceber movimentos atípicos no final do ano passado. Até então, não havia uma ação concreta que exigisse uma contra-ação.
A entrada da Ucrânia na OTAN não estava em pauta e havia o veto expresso a essa entrada, feito pela Alemanha, durante o encontro de cúpula da OTAN, em Bucareste em 2008, e reconfirmado pela então primeira-ministra Angela Merkel, em 2014. Só depois, em 2019, a Ucrânia colocou esse objetivo na sua constituição. Antes, também não havia nenhuma movimentação de reforço de tropas ou instalação de armas ofensivas no território dos países membros da OTAN.
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Em uma entrevista coletiva em Moscou, Olaf Scholz, atual primeiro-ministro alemão, reiterou que a entrada da Ucrânia na OTAN não estava na agenda. O presidente Putin respondeu que queria garantias formais “antes que seja tarde demais”. Ou seja, havia pelo jeito um senso de oportunidade para forçar uma repactuação da relação com a OTAN. Ao final, o próprio Putin tinha, desde seu famoso discurso na Conferência de Segurança em Munique, em 2007, deixado claro que havia uma insatisfação por parte da Rússia com o status quo.
Pode se especular quatro fatores que em conjunto criaram a sensação de haver um momento oportuno para forçar essa repactuação. Primeiro, a queda brutal da popularidade do governo Joe Biden e a consolidação de fortes polarizações internas nos EUA.
Em segundo, a queda também enorme de popularidade do presidente Zelensky que manteve, após sua eleição em 2019, uma alta aprovação por um tempo (em torno de 70%), mas que por motivos internos (contas não declaradas no exterior, brigas internas em seu agrupamento político e sua incapacidade de pacificar a situação em Donbass) caiu para menos de 30% no ano passado.
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Além disso, havia uma incapacidade do governo Biden de rearticular a unidade no Atlântico Norte depois das fortes desconfianças entre os aliados durante o governo Trump, em particular com a Alemanha de Merkel. Biden tinha prometido revigorar a aliança, mas se atropelou com a caótica saída da capital afegã, Cabul -lembrando que a invasão do Afeganistão, em 2001, foi no primeiro momento uma ação da OTAN, sem aval da ONU, que veio só em seguida, justificado com o direito da legitima defesa, artigo 5 da OTAN -, que pegou mal entre os países europeus que também estavam com tropas no Oriente Médio.
O quarto e último fator foi: a eleição na Alemanha. O pleito de 2021 fortaleceu partidos com posicionamentos muito críticos à Rússia, em particular os Verdes, mas também os liberais (FDP), que passaram a ocupar posições importantes no governo. Estava acabando a era Merkel, que era marcada pela busca de um entendimento e uma visão de mais longo prazo, visando garantir a estabilidade, a paz e a prosperidade na região da euroasiática.
Quem vai intermediar a paz?
Contrário à propaganda de que o mundo inteiro estaria unido com as posição dos EUA e da OTAN, temos a posição de China, Turquia, Paquistão, entre outros países importantes. E haveria o eixo do Brics com Índia e Brasil. Este último, porém, neste momento sem liderança com capacidade ou credibilidade para participar de um esforço como este.
Fonte: basildefato.com.br