Tragédia de Brumadinho: 4 anos após a tragedia
Propostas de alteração na legislação ambiental e falta de responsabilização pelo crime podem fazer com que um dos maiores desastres socioambientais do Brasil se torne apenas mais um
No dia 25 de janeiro de 2019, o técnico em sondagem e perfuração Lieuzo Luiz dos Santos e mais quatro colegas estavam no penúltimo degrau da barragem 1 (B1) da Mina Córrego do Feijão, controlada pela Vale, no município mineiro de Brumadinho. A cerca de 70 metros de altura do chão, eles tinham acabado de perfurar o solo para instalar um equipamento capaz de medir a pressão interna do reservatório. Apesar do sucesso da tarefa, os funcionários não tiveram muito tempo para comemorar, porque a barragem que armazenava o equivalente a 400 mil caminhões-pipa de rejeitos da mina se desfez em um tsunami de lama. Ao lado do rompimento da barragem de Fundão da mineradora Samarco, em 2015, o evento marcou a história recente do Brasil, e já completa quatro anos.
Após o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir, em dezembro de 2022, que a Justiça Federal é a responsável em julgar o caso, o MPF (Ministério Público Federal) apresentou, na segunda-feira (23), uma denúncia para a Justiça Federal. Trata-se da mesma denúncia apresentada à Justiça mineira pelo Ministério Público estadual. Contudo, essa medida é importante para evitar a prescrição de alguns crimes ambientais.
Sem responsabilização de culpados
Para a jornalista Daniela Arbex, trata-se de uma tragédia anunciada, como conta no livro “Arrastados: Os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil” (Ed. Intrínseca). Na obra em que investiga a história de Lieuzo e de outras vítimas, ela afirma que a Vale já sabia que não haveria chance de fuga nem do local que foi definido pela empresa como “zona de autossalvamento”.
“O lamaceiro seguia seu curso e, após passar sobre o terminal ferroviário, não encontrou obstáculo que o impedisse de transformar em escombros a área administrativa da Vale, abaixo da B1. Exatamente como a empresa previra em seu Mapa de Inundação, ao analisar nove meses antes a possibilidade de um rompimento da barragem”, escreve Arbex na obra. “No caso de uma hipotética ruptura do maciço, o refeitório, o posto médico, o laboratório, os escritórios, as oficinas e o Centro de Materiais Descartados, todos a cerca de 1,5 km da B1, seriam soterrados. De fato, foram.”
Com triste precisão, os cálculos da Vale estimavam ainda que, em caso de vazamento, o mar de lama poderia matar mais de 200 pessoas. Foram 270 — seis ainda continuam sendo procuradas pelos bombeiros de forma ininterrupta.
Até hoje ninguém foi preso ou julgado pelo caso. Em novembro de 2021, a Vale e a TUV SUD (que atestou a estabilidade da barragem) foram indiciadas pela Polícia Federal, além de 19 outras pessoas. Enquanto o Ministério Público aguarda a chegada do processo na Justiça Federal para fazer a denúncia, o Ministério Público do Trabalho e a Vale assinaram um acordo que indeniza em R$ 700 mil cada cônjuge, filho e pai de funcionário da companhia, de forma individual, além de R$ 150 mil a irmãos, e pensão vitalícia para dependentes.
Projeto de licenciamento ambiental abre brechas para novos crimes
Outro fator que preocupa entidades que atuam na área dos direitos socioambientais é a tramitação no Senado Federal do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental. De acordo com o projeto, alguns tipos de barragens podem até ser dispensados do licenciamento.
Ainda segundo o texto, com exceção de obras classificadas como significativo potencial de impacto ambiental, passa a ser exigido apenas o Licenciamento por Adesão ou Compromisso, conhecido como LAC, emitido automaticamente sem verificação de órgãos ambientais do cumprimento da legislação. A licença autodeclaratória feita pelo empreendedor torna-se, portanto, a regra e o licenciamento, a exceção. Na avaliação de Júlia Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, “o texto-base abre brechas para que barragens como as do Rio Doce e de Brumadinho, tenham menos fiscalização e controle, dando possibilidades para o acontecimento de outros crimes ambientais de grandes proporções”.
Fonte: conectas.org